domingo, 14 de agosto de 2011

SPECPOL, por Luisa Hedler

Prezadas futuras delegadas e futuros delegados:

Se algum de nós tiver a oportunidade de andar pelos jardins da sede da ONU em Nova York, poderá observar, entre várias obras de artes doadas pelas diferentes nações, uma estátua de bronze de um homem que, com um martelo, transforma uma espada em um arado. Trata-se de uma escultura doada pela então URSS em 1959, chamada “Let us beat swords into ploughshares” (transformemos espadas em arados), e representa de forma ímpar o maior desafio do 4º Comitê da Assembléia Geral das Nações Unidas (Políticas Especiais e Descolonização), que tratará da regulação dos usos pacíficos da energia atômica. Como, senhoras delegadas e senhores delegados, podemos transformar uma tecnologia extremamente perigosa e até mortal em um veículo de desenvolvimento para aumentar a qualidade de vida da grande família global?

O enorme perigo que a energia nuclear pode apresentar é indiscutível, até mesmo porque o seu début na comunidade internacional foi com o bombardeamento do Japão no final da 2ª guerra mundial. Foram bombas nucleares que arrasaram completamente duas cidades, causando centenas de milhares de mortes imediatas, sem contar as mortes posteriores pela exposição à radiação e os danos causados às gerações posteriores... Mas não é o horror da espada nuclear o objeto de nossas discussões, mas sim as possibilidades de cooperação internacional para a produção de energia a partir de uma fonte que seja acessível e, principalmente, segura.

A energia nuclear corresponde atualmente a 15% da matriz energética global, com 441 usinas em funcionamento em 29 países, enquanto outras 60 estão em construção. O bom funcionamento dessas usinas é de extrema importância não apenas para os países em que elas se localizam, mas da comunidade internacional em geral, uma vez que as conseqüências devastadoras de seu mal-funcionamento não conhecem fronteiras geográficas nem culturais. O exemplo mais recente é o ocorrido no Japão, em Fukushima, em março de 2011. Um terremoto de enorme magnitude, seguido de tsunami, danificou a usina nuclear de Daichii, deixando a comunidade internacional extremamente alarmada ante a possibilidade que a contaminação pela radiação atingisse o pacífico, podendo causar danos em escala global. Diante de um cenário em que situações excepcionais em países individuais podem causar um enorme risco global, é de extrema importância que a comunidade internacional tenha instrumentos para regular e controlar o uso da energia nuclear, assim como a possibilidade de agir rapidamente diante de acidentes.

O órgão que cuida das questões relacionadas à energia nuclear é a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma entidade independente, embora ligada desde seu início ao sistema das Nações Unidas, prestando informações, promovendo a disseminação de tecnologias seguras, agindo em casos de acidentes, monitorando o uso de energia nuclear e estabelecendo padrões de segurança para sua produção.

Todo esforço internacional para tornar a energia nuclear mais segura, porém, não bastam por si só – as normas produzidas internacionalmente precisam ser positivadas pelo direito interno, ou seja, o sistema de direito de cada país precisa incorporar, de alguma forma, as diretrizes do direito nuclear internacional para que elas possam ser efetivamente seguidas. A princípio, parece uma questão simples – ora, se estamos falando de normas de segurança e de disponibilizar informações para a agência que cuida disso, por que algum país recusaria? – mas não podemos esquecer que uma transparência enorme em relação a todo o processo de produção pode não apenas ser desvantajoso para as empresas de energia, que não poderiam manter avanços em segredo, como até por causa da segurança nacional, pelo fato das informações poderem chegar a mãos mal-intencionadas... Então qual é o equilíbrio entre os interesses de um país e a transparência internacional?

Essa é apenas uma das muitas perguntas que surgem quando este tema é abordado – quais os poderes que devem ser dados à agência reguladora e quais são aqueles que se manterão na esfera soberana de cada Estado? Qual é a melhor resposta internacional diante de acidentes ou, melhor ainda, qual é o melhor curso de ação para a prevenção? Como avançar o uso da tecnologia nuclear frente a uma grande rejeição de setores da comunidade internacional?

Senhoras delegadas e senhores delegados, espero que estejam psicologicamente preparados para negociações tensas e enormes responsabilidades – o clima na Assembléia Geral tem tudo para ficar explosivo.

Um abraço,
Luisa Hedler.

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